Há um morrer e renascer constante na vida. Procure aprender
essa arte.
Pode haver poesia em suas mortes-em-vida, apesar de doloridas,
como devem ser. A contemplação dos mistérios do mundo e o embasbacar-se com a
beleza oculta em fatos insuportáveis aos olhos de quem não sabe a importância
do deixar ir.
Seu peito vai ser atingido no meio e haverá sangue, muito
sangue. Paúra num primeiro momento para, logo em seguida, perceber que são apenas
excessos sendo drenados para que o corpo possa renovar as próprias forças.
Observe todos os cortes na sua pele e perceba que não havia
como sobreviver por mais tempo naquelas condições. Viver assim por quê?! A sabedoria
da vida é imensa e ela prefere descartar o inútil a permitir que a energia
vital seja desperdiçada sustentando um organismo estropiado, caduco.
O último suspiro se prolongará por muito tempo, mais do que julgam
necessário num primeiro momento. Haverá um luto, seu e dos seus. Todos sentirão
a sua falta e se julgarão impotentes diante da sua paralisia. Isso frustra. Tenha
paciência com eles. E você, entediar-se-á diante da letargia que uma cabeça
acelerada e paranoica pode provocar. Paciência consigo também, por gentileza.
E há também os vermes. Eles chegarão para roer cada pedaço seu.
Assusta, confesso. A pele enrugada por tantos solavancos, as unhas quebradas pelas
batalhas e que perderam a capacidade de se regenerar, os órgãos enegrecidos e
purulentos por feridas reabertas tantas vezes em vida, o miolo mole e cansado. Tudo
vai virar comida enquanto constata que não há força em seus dedos para dar um peteleco
naquelas criaturas miúdas que se servem de você sem cerimônia.
Paciência, novamente. Depois de cada mordiscada em suas
entranhas, o novo surge. Assim, instantâneo, ou poucos minutos depois. O coração
pode custar um pouco mais, então não se assuste com o oco no peito. E o cérebro
vai entrar em curto circuito enquanto devorado, podendo haver apagões. Troca de
fiação gera esse caos temporário.
Por sua vontade tudo continuaria da mesma forma de sempre:
pus, marcas, feridas, miolos moles. Mas a vida não obsta da sua missão e vai impor
muitas mortes em sua vida! É assim que funciona. Acostume-se a isso.
O novo surge quando o velho dá lugar a ele. Não antes, não
quando queremos. E sempre haverá o que aprender e o que deixar pra trás.
É preciso ter a coragem de entregar-se aos ciclos e crer que
a vida é mais sábia do que nós, superficiais e medrosos demais para promover,
por vontade própria, todas as remoções de tecido morto necessárias.
Podemos nos agarrar à massa podre por medo da dor. É possível.
Já encontrei muita gente impregnada do cheiro do chorume, em suas roupas,
palavras, pensamentos, sentimentos, ações. Insuportável. Dignas de pena.
Um morto em vida resseca o que encontra pela frente. E sua
visão torna-se turva. É muito grave. Gradativamente, perde a capacidade de
reconhecer o amor nos detalhes e deixa de confiar. Triste.
Por isso, nos entreguemos. Confiemos. Vivamos a beleza dos
ciclos de morte-em-vida. É assim que tudo se renova no mundo, e há de ser assim
em nós também.
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