domingo, 28 de outubro de 2018

Gratidão

Ganhei da minha mãe um quadrinho para colocar no quarto novo da casa nova na cidade nova onde fomos morar. O desenho de uma garotinha tirando um vestido de dentro de um baú antigo, em traços clássicos, sobre a frase “Se quiser encontrar a felicidade não a procure longe demais”. Ensinamento materno para a vida nova que eu acabara de começar.
Alguns anos depois, fui morar em outra cidade a 5 mil quilômetros de distância daquele quadro e talvez tenha contrariado a sua recomendação, mas nunca a esqueci.
O tempo passou, as experiências vieram e fui apresentada a outra ideia de felicidade. A gratidão.
Li em algum lugar que esta é a maior conexão com o divino que podemos ter. Gastamos nosso tempo e energia procurando a felicidade, lutando por ela e não percebemos o grande nível de auto centramento contida nessa busca frenética. E muitas vezes chamamos de felicidade o que, na verdade, é apenas prazer.
A gratidão, ao contrário, só nos pede olhos para ver. Comece pelo básico: se está respirando e tem consciência disso, já pode começar a agradecer. Tem uma casa para morar e comida para matar a fome? Família? Filhos? Trabalho? Amor? Amigos? Saúde? Momentos de lazer? Capacidade de aprendizado? Vive longe de zonas de conflito ou de desastres naturais? Basta olhar com amorosidade para tudo o que normalmente ignoramos e enxergaremos a abundância ao nosso redor. São muitos os motivos para agradecer.
De repente teremos mais energia para buscar aquilo que desejamos, mas com alegria e não com a ansiedade de quem só se sentirá feliz se conquistar isso ou aquilo.
Se não acredita nisso, tente praticar a gratidão a partir de hoje. É preciso ir do mais simples ao mais complexo. Provavelmente o começo vai ser estranho porque o coração pode já estar revestido de tefflon e talvez não haja a percepção de que uma cama confortável é privilégio neste mundo onde uma em cada dez pessoas, ou 767 milhões, sobrevivem com menos de US$ 1,90 (ou R$ 7,0) por dia.
Aos poucos vamos percebendo que nada nos falta, que a tal felicidade sempre esteve do nosso lado e que tudo é uma questão de ponto de vista.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Refletir não é pirar.


A essência da vida é a volatilidade. Ela pega fogo e esfria, cresce e se retrai. Um sobe e desce de labaredas estimuladas por tantos fatores ao nosso redor nos queimam ou nos deixam em cinzas. Podemos ficar ali no meio, fingindo que tudo é acaso e vivendo como quem mata no peito o que vier, seja a bola da partida ou o cocô do passarinho. Ou podemos sentar e observar, sabendo que em alguns momentos o chão vai estar quente e em outros estaremos cobertos de pó.

Eu penso demais, acusam-se algumas pessoas. Mas essa capacidade de ater-se aos diversos aspectos de um fato, analisá-los atentamente e tentar enxergar algum sentido em tudo não pode ser perda de tempo. Estranho mesmo é quem se acanha nas reflexões e acha que tudo é assim mesmo.

E quando acreditamos sinceramente que a natureza é perfeita, Deus é maravilhoso e que devemos acreditar na vida, esse refletir constante acaba sempre se balizando na ideia de que tudo o que acontece é para o nosso bem, é porque precisamos, é necessário para nossa evolução, e vai contribuir sim para um fim maior. Isso faz com que cheguemos a respostas que trazem paz para nossa alma. 

Genial.

Ou alguém vai negar o quanto aprendeu com as situações mais duras, por menos esperança que sentisse enquanto estava lá, mergulhado em sofrimento?

Não sejamos infantis pensando que todo o azar do mundo foi direcionado a nós porque uma porta se fechou na nossa frente. Uma porta pequena, estreita, de passagem tortuosa e que nos levaria a um ambiente que nem ia satisfazer o coração. Aproveito para apresentar o orgulho, essa pestinha que está presente no nosso rol de sentimentos e se incomoda demais com qualquer perda, mesmo que de algo que nos faria mal.

Vamos juntos enxergar além, tanto desse bendito orgulho quanto da ideia de que refletir demais é pirar. Se nos permitirmos alguns momentos de devaneios, de elucubrações cheias de será e talvez, perceberemos que tudo tem um porquê e ele, geralmente, é lindo.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Não orna mais.


Perceber que não nos importamos mais com o que já alegrou a nossa alma é melancólico. Logo em seguida vem a leveza decorrente da real indiferença, e isso se soma a uma sensação de alegria. Oba, diz o ego. Mas antes, o desconforto. É estranho admitir que algo que já foi muito valioso já não orna mais.

Há sempre uma grande batalha quando algo vai partir da nossa vida. Apegados, tentamos segurar o que não deveria mais estar na nossa vida e que, muitas vezes, já partiu. Lutamos pela sombra do que foi porque é doloroso perder, e vivemos um luto por isso.

Mas o tempo, sábio como só ele, ignora nossos apelos e segue inabalável, como se nada tivesse acontecido. Lamentamos, tentamos ressuscitar e nos angustiamos pelo que já não é. E, olhando bem, fica nítido que nosso lamento não é pela ausência de alguém, ou de alguma coisa, mas apenas a saudade que sentimos.

Somos movidos a sentimentos. O que gostamos, do que não gostamos. Isso nos define. Encontramos alvos das emoções a eles dedicamos tempo e expectativas. Observe. É por isso que nos enlutamos, por esse sentir que é obrigado a despedir-se de um objeto de desejo e sente a sua inutilidade momentânea.

De repente, algo que foi estrutural já não faz mais parte da gente. E o que se faz com o espaço vazio que fica?

Não o preencha.

Comece assim.

E prepare-se para repensar sua maneira de existir.

Só uma nova forma de se relacionar, de agir, de existir, pode ser a resposta correta para o fim de um sentimento. Se apenas preenchermos o espaço vazio, continuamos na mesma e isso é muito confortável.

O melhor é aproveitar a oportunidade para mudar a forma de estar no mundo. É bem mais difícil. Exige esforço. Algum tempo. Mais do que geralmente estamos dispostos a empregar. Mas a eficácia é maior.

E nesse time to think, podemos perceber que, talvez, quem sabe, o problema não tenha sido aquela pessoa que foi embora, mas a que ficou. Eu. Nós. A nossa forma de estar no mundo. Sai alguém, mas outras chegam e os problemas persistem.

E aí surge uma ironia.

Ao decidir afastar da sua vida quem te faz mal, talvez seja relevante incluir-se nesta lista.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Dever. Não poder.


É um erro esperar que você decida o que fazer da sua vida quando já sei que isso não me incluirá.

O melhor seria desistir de vez e partir, mas não sei pra onde.

Uma relação que me tira o norte. Sofro.

Minha vida não anda lá muito bem. Fato.

Você é mais um problema insolúvel que me convida ao conformismo.

Como inimigos invencíveis que nos fazem cogitar juntar-se ao seu bando para que a guerra finde.

Porém, algo dentro de mim me importuna e não aceita menos do que mereço.

Um projeto de amor próprio que resiste, mesmo soterrado em covardia e medo.

É uma voz muito suave, mas chacoalha tudo como o rugido da mais feroz das bestas.

Eu deveria. É a frase que mais repito mentalmente.

Eu não consigo. É a verdade mais dura de admitir.

sábado, 24 de março de 2018

Viva e deixe viver


Viva e deixe viver.

Uma das lições que a vida insiste em me ensinar.

Ocupe-se com o que depende de você. O que não é seu, ou não está sob sua responsabilidade, não lhe diz respeito e não deveria tomar sua atenção. Consigo imaginar as nuvens do céu tornando-se escuras e uma voz trovejante recitando repetidas vezes essas palavras.

Deixar ir é sabedoria posta em prática. Aquele papo de cultivar o jardim ao invés de tentar capturar as borboletas também. Será que a vida é um saco de clichês? Às vezes, me parece que sim. Mas não nos enganemos, isso não significa que as coisas seguem roteiros.

Viver é lutar.

Não me refiro àquele estado em que apenas existimos diante da realidade, sem fincar os pés no chão, bolando de um lado para o outro ao sabor de qualquer solavanco mais intenso. Trato da vida. Aquela tal, com boletos a vencer, nossos próprios cuspis caindo em nossa própria testa, respiração ofegante a maior parte do tempo e braçadas firmes, mesmo que contra a correnteza.

As pessoas estão enchendo os consultórios dos mais variados psi, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, porque suas fórmulas não surtem efeito. Nem religião, nem curtição, nem malhação. Nem sim e nem não. A vida é bem mais que isso, ou aquilo que disseram ser o certo. E não há sujeito tão intolerante à incerteza quanto o dito ser humano. O pobrezinho batalhou para ter tudo sob controle, criou listas e listas de 10 coisas mais importantes a se fazer sobre qualquer coisa, para, no fim das contas, perceber-se perdido na inexorável imensidão de possibilidades.

Essa dança, tanto macabra quanto bela, das incertezas é a vida. Apenas isso. O ir e vir diante de erros e acertos, o cair e levantar, a coragem para gargalhar no final, ou apenas desabar. Não tem muito mais que isso, além da vontade genuína de fazer dar certo, sabendo que há grandes chances do contrário acontecer.

Pronto.

É com esta realidade que convivemos.

Podemos cair no choro, ou podemos sentar e apreciar a beleza presente nisso tudo, antes de levantar e ir em busca da mais nova aventura, aceitando os riscos e admirando o que se vive durante a travessia. No fim das contas, o caminhar é a única certeza que temos.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

A espera.

Eu escolhi esperar.

Mesmo ansiosa por saber o que virá, recolho minha necessidade de respostas e vivo o presente da melhor forma possível, tentando preencher de amor cada poro do meu ser, porque é assim que se deve viver e é isso o que a vida espera de mim.

Decidi aguardar.

A minha pressa atrapalha o meu processo e de todos ao meu redor, porque o tempo é de cada um e essa demora é, na verdade, a orquestra da existência tocando a sua melhor sinfonia, mesmo para ouvidos apegados à dor e olhos incapazes de enxergar a beleza da penumbra que a falta de sol provoca enquanto seus raios não surgem queimando as pupilas.

É melhor não me apressar.

O tempo do bolo, o ponto da massa, o momento exato do golpe de mestre precisam ser respeitados se queremos o melhor. Não é a minha infantil busca por respostas que fará cada tudo se acelerar. Essa criança mimada precisa compreender a dança que acontece exatamente neste momento e que um pisão é desnecessário se cada coisa tem seu momento certo para dar o próximo passo.

Há que sentar e admirar.

Há tempo de plantar, tempo de colher, tempo de saber e de apenas cuidar. Deve-se catar as lagartas para que não destruam a plantação, verificar se cada planta está recebendo a devida quantidade de água em suas raízes, se os cestos precisam de reparos para o momento da colheita, que certamente virá, ou se os bichos estão sendo alimentados e as pessoas, sendo amadas.  A colheita, o saber, é apenas um momento da jornada.  A vida é bem maior que perguntas e respostas. A vida é o agora nos convidando a fazer o melhor que podemos.

O quando será sempre um grande mistério.


Enquanto não se revela, sigamos amando. 

sábado, 13 de janeiro de 2018

Mortes-em-vida

Há um morrer e renascer constante na vida. Procure aprender essa arte.

Pode haver poesia em suas mortes-em-vida, apesar de doloridas, como devem ser. A contemplação dos mistérios do mundo e o embasbacar-se com a beleza oculta em fatos insuportáveis aos olhos de quem não sabe a importância do deixar ir.

Seu peito vai ser atingido no meio e haverá sangue, muito sangue. Paúra num primeiro momento para, logo em seguida, perceber que são apenas excessos sendo drenados para que o corpo possa renovar as próprias forças.

Observe todos os cortes na sua pele e perceba que não havia como sobreviver por mais tempo naquelas condições. Viver assim por quê?! A sabedoria da vida é imensa e ela prefere descartar o inútil a permitir que a energia vital seja desperdiçada sustentando um organismo estropiado, caduco.

O último suspiro se prolongará por muito tempo, mais do que julgam necessário num primeiro momento. Haverá um luto, seu e dos seus. Todos sentirão a sua falta e se julgarão impotentes diante da sua paralisia. Isso frustra. Tenha paciência com eles. E você, entediar-se-á diante da letargia que uma cabeça acelerada e paranoica pode provocar. Paciência consigo também, por gentileza.

E há também os vermes. Eles chegarão para roer cada pedaço seu. Assusta, confesso. A pele enrugada por tantos solavancos, as unhas quebradas pelas batalhas e que perderam a capacidade de se regenerar, os órgãos enegrecidos e purulentos por feridas reabertas tantas vezes em vida, o miolo mole e cansado. Tudo vai virar comida enquanto constata que não há força em seus dedos para dar um peteleco naquelas criaturas miúdas que se servem de você sem cerimônia.

Paciência, novamente. Depois de cada mordiscada em suas entranhas, o novo surge. Assim, instantâneo, ou poucos minutos depois. O coração pode custar um pouco mais, então não se assuste com o oco no peito. E o cérebro vai entrar em curto circuito enquanto devorado, podendo haver apagões. Troca de fiação gera esse caos temporário.

Por sua vontade tudo continuaria da mesma forma de sempre: pus, marcas, feridas, miolos moles. Mas a vida não obsta da sua missão e vai impor muitas mortes em sua vida! É assim que funciona. Acostume-se a isso.

O novo surge quando o velho dá lugar a ele. Não antes, não quando queremos. E sempre haverá o que aprender e o que deixar pra trás.

É preciso ter a coragem de entregar-se aos ciclos e crer que a vida é mais sábia do que nós, superficiais e medrosos demais para promover, por vontade própria, todas as remoções de tecido morto necessárias.

Podemos nos agarrar à massa podre por medo da dor. É possível. Já encontrei muita gente impregnada do cheiro do chorume, em suas roupas, palavras, pensamentos, sentimentos, ações. Insuportável. Dignas de pena.

Um morto em vida resseca o que encontra pela frente. E sua visão torna-se turva. É muito grave. Gradativamente, perde a capacidade de reconhecer o amor nos detalhes e deixa de confiar. Triste.

Por isso, nos entreguemos. Confiemos. Vivamos a beleza dos ciclos de morte-em-vida. É assim que tudo se renova no mundo, e há de ser assim em nós também.