quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O desafio de ser canal

Eu comecei a escrever por necessidade. Tudo o que trazia para esse mundo era o que ecoava alto no meu coração. Para dores, angústias, frustrações, medos e demais feridas na alma, a medicina possível era a escrita, terapêutica mais que literária.

Nunca gostei de criar personagens, pois o que eu tinha a dizer precisava ser em primeira pessoa. Nenhuma outra voz, com uma bagagem imaginária, ainda que autobiográfica, seria capaz da sinceridade que eu desejava expressar.

Agora que os cortes se fecharam e as cicatrizes se transformaram em vãos por onde minha essência transborda, eu me desafio a ser canal dos verbos que habitam as profundezas de outras almas.

Para isso, eu preciso crescer. Tanto e tão alto que nem sei se sou capaz. Como falar o que a garganta encerra? Que autoridade eu tenho para traduzir em palavras aquilo que está invisível aos olhos de outros, por que insuportável?

Não me pretendo tradutora, porta voz oficial da mensagem alheia. Contudo, sou tão humana quanto todos, sangro e choro, ainda que de formas e intensidades diferentes. Eu enxergo a dor do outro porque ela está em mim também. Somos todos feitos da mesma matéria prima, ainda que o espectro de existências possíveis seja maior do que chego a imaginar.

Empatia. Conhece essa palavra? Existe uma definição muito prática no dicionário, a faculdade de compreender emocionalmente um objeto, mas percebo de outra forma. Para mim, se trata da disposição de escavar em si até encontrar o que rasga o peito alheio, de reconhecer aquilo que habita o coração de alguém para, então, permitir a verdadeira conexão, essências conversando a linguagem do acolhimento.

Eu me abro, portanto, para trazer ao mundo aquilo que emerge de mim quando compartilho da verdade do outro. A minha leitura, o meu gradiente de sentimentos, a minha forma de enxergar as experiências serão a tinta com a qual pintarei a paisagem, que não é minha numa primeira mirada, mas me é familiar, porque humanos somos.

 

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