sábado, 28 de novembro de 2020

SOBRE CONSTRUIR IMPÉRIOS.

Eu já solavanquei muitas vezes no ritmo do mar revolto alheio. Embora convicta sobre o amor sereno que despertava no meu peito, fui jogada de um lado para o outro, me debatendo em inconstâncias, descompromisso, deslealdade, na completa falta de habilidade para amar.

Parecia impossível me livrar daqueles sofrimentos. Me perguntei muitas vezes que outra opção eu teria além da dor da partida ou da angústia em permanecer, embora soubesse claramente que sob toda aquela tempestade, havia muito calor, sorrisos, companheirismo, uma rotina normal entre duas pessoas que transbordavam alguma espécie de amor.

Ainda que despedaçada, escolhi sobreviver e partir, deixando para trás os restos dos sonhos construídos e alimentados juntos. Uma andorinha só não faz verão, e nem fazia o menor sentido continuar ali.

Agora, recuperada, de pé, firme como um farol que revela caminhos a longas distâncias, eu não consigo mais parar. Vou em frente, conquisto novos palmos de terra, ergo meu império e contemplo toda a vastidão de vida. Existem partes minhas por todo o caminho, onde sangrei, chorei, perdoei, até encontrar a paz.

Cada pedaço desse império que eu vejo no espelho, tijolo por tijolo, fui eu mesma que assentei. Um quebra cabeça de sonhos, ações, decisões e mãos abertas para aquilo que não era meu de verdade. As peças se encaixaram uma na outra e formaram algo novo, que eu jamais tinha visto, mas sentia já existir nos meus mais doces devaneios.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O desafio de ser canal

Eu comecei a escrever por necessidade. Tudo o que trazia para esse mundo era o que ecoava alto no meu coração. Para dores, angústias, frustrações, medos e demais feridas na alma, a medicina possível era a escrita, terapêutica mais que literária.

Nunca gostei de criar personagens, pois o que eu tinha a dizer precisava ser em primeira pessoa. Nenhuma outra voz, com uma bagagem imaginária, ainda que autobiográfica, seria capaz da sinceridade que eu desejava expressar.

Agora que os cortes se fecharam e as cicatrizes se transformaram em vãos por onde minha essência transborda, eu me desafio a ser canal dos verbos que habitam as profundezas de outras almas.

Para isso, eu preciso crescer. Tanto e tão alto que nem sei se sou capaz. Como falar o que a garganta encerra? Que autoridade eu tenho para traduzir em palavras aquilo que está invisível aos olhos de outros, por que insuportável?

Não me pretendo tradutora, porta voz oficial da mensagem alheia. Contudo, sou tão humana quanto todos, sangro e choro, ainda que de formas e intensidades diferentes. Eu enxergo a dor do outro porque ela está em mim também. Somos todos feitos da mesma matéria prima, ainda que o espectro de existências possíveis seja maior do que chego a imaginar.

Empatia. Conhece essa palavra? Existe uma definição muito prática no dicionário, a faculdade de compreender emocionalmente um objeto, mas percebo de outra forma. Para mim, se trata da disposição de escavar em si até encontrar o que rasga o peito alheio, de reconhecer aquilo que habita o coração de alguém para, então, permitir a verdadeira conexão, essências conversando a linguagem do acolhimento.

Eu me abro, portanto, para trazer ao mundo aquilo que emerge de mim quando compartilho da verdade do outro. A minha leitura, o meu gradiente de sentimentos, a minha forma de enxergar as experiências serão a tinta com a qual pintarei a paisagem, que não é minha numa primeira mirada, mas me é familiar, porque humanos somos.

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

COMO OUVIR O CORAÇÃO


Faz um tempo que me voltei para o meu espiritual, o que não significa, de forma alguma, que resolvi meditar numa montanha. Tenho apenas trazido para a minha vida conhecimentos que sinto serem verdadeiro, mesmo que bastante diferente do que me ensinaram a vida inteira.

Também não são práticas elaboradas, mas pontos de vista e comportamentos simples, que me trazem uma sensação de bem estar imediato e, no longo prazo, se mostram completamente adequados, o que sempre me surpreende.

Para isso, precisei desenvolver a capacidade de ouvir o que meu coração diz sobre as coisas. Se vem um quentinho no peito, é por ali. Causou sobressaltos, é cilada, Bino! Tudo muito didático, sem grandes elucubrações.

Eu não contava, porém, com a dificuldade em saber exatamente o que meu coração quer. Isso é bem esquisito, mas tenho ficado em dúvida sobre as mensagens por detrás das sensações, o que me leva a pensar que passei tempo demais desconectada dele.

Não estou falando dos impulsos para viver isso ou aquilo, das vontades por alguma coisa, dos rompantes emocionais super confusos. Para esses eu dei bastante atenção e ouço claramente o que têm a dizer, porque gritam muito alto e me deixam atarantada, além do arrependimento tardio que provocam.

Agora que estou tentando ouvir o que meu coração diz da forma correta, calmamente, respirações longas para oxigenar a mente, buscando perceber o que meu corpo inteiro indica, vejo que levei gato por lebre muitas vezes.

Não era ele que eu ouvia, mas a minha própria vontade, a da Malu, essa pessoa que vos fala. O ego, posso chamar assim também. Uma instância minha que estava bem conectada aos anseios da vida social, do mundo material, e de tudo o que está diante dos meus olhos.

Porém, essa busca pelo espiritual me fez ouvir uma vozinha muito suave, que não tem a intensão de se sobrepor a nenhuma outra, que dizia o contrário do que eu queria ouvir, para quem eu estava surda. Ela nunca se calou, mas eu não sabia ouvi-la.

Essa voz tem me dito cada coisa assombrosa, e dispara no meu coração sensações tão acolhedoras, conhecidas minhas, das quais eu tinha me afastado, pois me acostumei a ouvir quem gritava mais alto e fazia confusão.

Perceber a essência falando exige mudar de sintonia. Tem mais a ver com sentir, e não gritar; verdades minhas, e não comparações; alegria, e não culpa. Por isso, estou me acostumando com essa comunicação não-violenta, bem diferente da angústia que as outras vozes, aquelas que gritavam comigo e me culpavam por ainda não ter agido, transmitiam.

Os silêncios diários têm deixado meus ouvidos mais preparados para esse contato, ao mesmo tempo em que treino a confiança para reconhecer a serenidade que cada resposta me provoca. Assim, vou aprendendo a linguagem do meu coração, que é manso e não tem pressa de se sobrepor aos demais ruídos, porque sabe que uma hora eu vou voltar para ele.