segunda-feira, 17 de julho de 2017

A hora chega.

Preciso admitir. Eu não me amava.
Bastava que alguém acenasse com alguma atenção para que eu desistisse dos meus planos.
Bastava que alguém me enxergassem e seria exatamente como viam.
Moldava voz, moldava gostos, moldava personalidade. Modelagem ao gosto do freguês.
Não sabia quem era, pois nunca pude ser.
Atrevida, maluquinha, santa, compreensiva. Sempre às voltas com o que queriam de mim.
Mas tem uma hora que chega.
Chega de me moldar!
Chega de me adaptar!
Chega a hora de finalmente viver conforme minhas próprias regras.
A alma se revolta e o corpo trava. A mente entra em crise e o coração apenas sangra.
Cheguei a este ponto do caminho.
Como será a estrada? Não tenho ideia.
Apenas chegou o momento de não olhar para trás.


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Falta e abundância.

Você já comeu kiwi?
Percebeu como ele é doce e levemente azedo ao mesmo tempo quando maduro? E como ele é "travoso" quando está amadurecendo?!
Talvez você nunca tenha sentido o azedume da fruta um pouco verde. Provavelmente porque não precisou esperar que amadurecesse, pois só a consumiu em algum preparo: na caipiroska, no suco, no doce, no picolé.
Eu costumava comer o kiwi numa receita fit de lanche que me passaram quando fiz uma dieta para perda de gordura e ganho de massa magra.
Comprava no supermercado e deixava na fruteira por uns três dias ou mais. Depois, guardava na geladeira junto com as outras frutas prescritas, todas no ponto para serem misturadas nas minhas receitas fit.
Queria perder alguma coisa, ganhar outra, e o kiwi era um coadjuvante nisso.
Quis o destino que eu ficasse dura. Lisa. Com o dinheiro contado.
Essa condição nos faz refletir muito sobre onde investir os parcos dinheirinhos e o supermercado é o ambiente propício para desenvolver tal habilidade.
Questionando-me sobre o que deveria realmente comprar, me vi diante da cesta de kiwis.
Peguei um e coloquei no canto do carrinho, mais atrás, para o caso de tê-lo a mão se sobrasse algum dinheiro.
Após passar todas as compras, ainda sobravam alguns poucos reais.
Pedi que pesassem o kiwi.
Apesar do valor salgado do quilo, pude levar!
Voltei para casa fazendo planos.
Receitas fit? Não. Não tinha ingredientes suficientes. E, sinceramente, nem pensei nisso.
O kiwi ia ser meu personagem principal.
Meus planos eram sobre o momento em que eu descascaria aquela linda fruta, observaria os tons de verde, as sementes pretas em torno do miolo esbranquiçado, e sentiria seu doce-um-pouco-azedo.
Quero fazer isso sentada na cama, olhando para o céu pela janela aberta e escrevendo algum texto sobre como a falta treina o nosso olhar para enxergar a abundância.


terça-feira, 4 de julho de 2017

GAF

Existe grupo de apoio para todo tipo de gente: mulheres que amam demais, pessoas que bebem demais, que se drogam demais, até para quem gasta demais.
Pois eu proponho a criação de um grupo de apoio aos fracassados. O GAF.
Seria o lugar ideal para ir depois de uma demissão, de um pé na bunda, de ter falido, de não ter alcançado a linha de chegada. Quando seu mundo desmoronar, rume para lá.
Não vai ser difícil de encontrar. Basta procurar pela única porta aberta.
Ali, todos os planos deram errado.
Não escapa um sem ter enfiado os pés pelas mãos.
Teimosos. Incapazes. Sonhadores. Incompetentes.
Chamam essa gente desafortunada por nomes como estes, pois insistem em defini-los pelo resultado de suas empreitadas sem olhar o caminho percorrido com dedicação e intensidade.
Só pode fracassar quem vai fundo o suficiente para se chocar contra as rochas.
Nesse mundo de amores líquidos, é privilégio ser capaz de se doar, apesar dos riscos.
Pergunto-me o que entende de sonhos quem nunca fracassou.
O que um ser 100% sucesso sabe a respeito de desejar profundo e buscar o que se quer, mesmo percorrendo uma estrada puro breu e onde a única certeza seja o tropeção?
Quem nunca fracassou optou por viver de maneira hipoalérgica. Só vai até o permitido. 
Mas os sonhos habitam algum lugar depois dessa fronteira.
No GAF, estão todos em caquinhos, tentando se remontar.
Dá até para trocar uma lasquinha de um com um pedaço de outro.
Colchas de retalhos.
Ninguém espera mais nada deles.

Podem se misturar e ver depois no que vai dar.