Não tenho a menor ideia de onde vi a citação sobre este livro, mas lembro que fiquei curiosa com o título e fui pesquisar sobre ele quase imediatamente.
A alma IMORAL, de Nilton Bonder, um rabino brasileiro e autor de diversos títulos.
Citando trechos da Bíblia, do Talmud, os livros sagrados dos judeus, e diversos rabinos e teólogos da religião judaica, Nilton nos apresenta a “imoralidade” da alma.
Você vai encontrá-lo na sessão Religião da livraria, mas a mensagem vai muito além.
“Este livro busca refletir sobre a imprescindível imoralidade da alma - sobre seu constante questionamento e crítica à moral do corpo.”
O autor começa fazendo uma longa reflexão sobre a natureza do homem do ponto de vista da psicologia evolucionista, do darwinismo e da religião. Tudo isso para explicar os dois conceitos principais do livro: o que seria o corpo moral e a alma imoral.
A moral seriam as regras impostas, seja pela família, sociedade, cultura, religião ou qualquer outra instituição, ou seja, o que está posto e nos indica o melhor a ser feito, o correto, o coerente, o ponderado.
A alma, por outro lado, é questionadora, transgressora, não observa as regras. E a função dela é essa mesma, quebrar as regras e nos colocar em movimento, nos levar para fora do lugar estreito e abrir caminho no nada, no desconhecido.
Sobre isso, o autor faz uma analogia com a saída do povo hebreu do Egito.
Vamos puxar da memória as lições do catecismo. Ou vamos dar uma olhadinha no Netflix. Têm alguns filmes sobre esse episódio lá…
Não é difícil imaginar o desespero dos hebreus quando se viram encurralados entre um mar revolto e um exército inclemente. Certamente passou pela cabeça de muitos que a ideia de sair do Egito era idiota, no mínimo. Melhor manter-se seguro num ambiente conhecido, mesmo que hostil e degradante. Um sentimento muito familiar a todos os seres humanos. Quantas pessoas se mantém assim, sofrendo no conhecido, e evitam ao máximo arriscar algo melhor simplesmente por terem que encarar o desconhecido?
O trecho traz uma reflexão sobre isso:
“Quando resolvemos sair do lugar estreito, ocorre um processo semelhante com o corpo. O corpo não gosta de sair, de mudar. São a estreiteza e o desconforto que o convencem de que não existe outra saída. Mas para onde ir se o corpo não conhece nada diferente de si mesmo? A alma, imora em sua proposta de desalojamento do corpo, impõe uma caminhada que para o corpo acaba por ser um enfrentamento com uma barreira aparentemente intransponível. Como seguir rumo à “terra prometida”, ao futuro, se entre o presente e ela existe um fosso, um mar, absoluto. O corpo então questiona a sensatez da alma. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos e o corpo experimenta a mais temida das sensações - o pânico de se extinguir.” (pg. 47)
Nossa alma está sempre afrontando o nosso corpo, ou seja, o status quo. Porque queremos a segurança do conhecido, do que é aceito. A moral não aceita questionamentos. Mas é preciso que alguém rompa com o estabelecido, mesmo que num ato de autossacrifício. Dessa forma o homem evolui, progride e transforma não só a sua vida, como a de todos.
“A alma imoral está em constante processo de sabotagem à ordem estabelecida.”
Nosso papel neste mundo é alargar todas as fronteiras, todos os padrões. E esse desafio não é pequeno. A quantas regras estamos confortavelmente submetidos, mesmo discordando redondamente delas? O corpo perfeito, o trabalho perfeito, a vida perfeita, o casamento perfeito. Pautamos nossas vidas a regras opressoras mesmo sabendo que são questionáveis, por comodismo e medo.
A alma reconhece a estreiteza da moral e nos empurra a romper com isso. Tentamos nos ajustar ao que nos dizem ser o certo enquanto não temos a coragem de ouvir os gritos por liberdade da nossa alma. E ficamos ali, parados, estáticos, enquanto crescemos sem perceber. Apertamos os cintos, e nos encolhemos ao máximo. Mas a alma não permite que fiquemos parados e, num determinado momento, ela se faz ouvir.
Porém, isso não é um processo harmonioso do “lado de fora”. É violento. Choca. Dá medo. Porque sabemos o que vai acontecer. Rejeição. Solidão. Seria mais fácil, aparentemente, nos mantermos lá no mesmo lugar, fazendo sempre o mesmo. Mas a alma imoral e transgressora não nos dá essa opção. Ela exige que a gente cumpra nossa missão, que é crescer ao máximo, ir além, mesmo que pagando algum preço por isso.
“O ato de retirar a máscara - e que arranca junto o rosto antes percebido - permite que surja uma nova cara. Não há manual de obediência que nos complete a identidade. Nossa identidade se dá também pela desobediência ou pelo vazio que é a experiência ainda não experimentada, o futuro que ninguém ainda viveu.”
Os hebreus ficaram um tempo acampados na beira do Mar Vermelho antes dos egípcios virem tentar capturá-los. A ordem divina era que marchassem em direção ao mar, mas eles não o fizeram por medo. Compreensível, sejamos sinceros. Diz a tradição judaica que um homem chamado Nachson teve a coragem de marchar em direção ao mar e, quando a água estava na altura do seu nariz, o mar se abriu. Ele compreendeu a orientação de “D’us”!
Quero encerrar por aqui com um trecho que reflete sobre esse fato.
“O futuro existe se vocês marcharem. O futuro, porém, não está ligado ao presente pelo corpo. A alma é que guiará o caminho seco por meio do molhado, de um corpo a outro ou de uma margem a outra. Saber abrir mão desse corpo na fé de que outro se constituirá é saber dar o passo que leva até onde ‘não dá mais pé’. Enquanto der pé, estaremos estacionados em acampamentos. Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível” (pg. 50)
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